segunda-feira, 3 de maio de 2010

José Afonso- Cantigas Do Maio (1971)


Este álbum representa toda a essência do pós- 25 de Abril, aquela época que ficou marcada por novas promessas de uma nova utopia. Ao contrário dos álbuns anteriores de Zeca Afonso, Cantigas Do Maio resulta de uma complexida maior nos arranjos mas mantendo sempre a sua faceta nas letras.
A mistura de cantares alentejanos, pop, folk e musica popular dá-nos a recordação perfeita de um disco perfeito. Editado em 1971, foi produzido por José Mário Branco e gravado por Gilles Sallé no Strawberrie Studio, em França.É um disco para ouvir, recordar as lutas intensas do proletariado, dos portugueses que ansiavam pela liberdade e por uma nova utopia. É também um disco findamental para quem gosta simplesmente de música e queira explorar novos territórios na música. Acredite, não se vai arrepender.
Foi deste álbum que foi tocada, na Rádio Clube, a contra-senha da revolução, a famosa Grândola Vila Morena.
E fica este curioso testemunho:
« Nascido para, como diz a cantiga, "abrir grandes janelas", o Zeca sempre suportou maio fechamento - quer o das ideias, quer o dos espaços.
Das duas vezes que foi a Paris gravar comigo, em 1971 ("Cantigas do Maio") e 1973 ("Venham mais cinco"), nunca ele escondeu quanto lhe desagradava e o indispunha a necessidade de ficar fechado no estúdio durante horas, e quanto ele não gostava nada de Paris nem do ambiente dos portugueses de Paris - hoje entendo como tinha razão.Porque haveria de ser preciso fecharmo-nos, horas e horas a fio, na tensa clausura de um estúdio de gravações, se o objectivo era precisamente registar os grandes e puros espaços sonoros das suas melodias, a frescura densa da sua voz, a força simples e lírica das suas palavras? As máquinas! custava-lhe aceitar que a "limpeza" e a "verdade" do som só pudessem ser conseguidas, neste mundo sujo e atravancado, por meio das máquinas, das técnicas, do isolamento acústico. Custava.lhe aceitar que, para fazer chegar aos outros as coisas belas e simples que inventava, fosse preciso tanta guerra para reconquistar o silêncio, a página branca, o patamar vazio donde tudo tem que partir.
Assim, por entre mil episódios que atestam o que acabo de dizer, há esse - o da gravação do "Cantar Alentejano" ("Chamava-se Catarina... ") - que testemunhei aquando da gravação das "Can­tigas do Maio", juntamente com a Zélia, o Fanhais, a Isabel Alves Costa, o técnico Gilles Sallé e, naturalmente, o violista Carlos Correia (Bóris). A opção de arranjo foi: só a viola, e a voz do Zeca. Sem rede.
O regime de gravações - tardes e noites - fez que, nesse principio de tarde, fosse a altura de gravar o "Cantar Alentejano", "Vamos a isto, Zeca?", ia eu dizendo, naturalmente preocupado com a factura do estúdio. "Não tens nada para ir metendo?", desconversava ele. Via-se que não estava pronto. "Queres ir me­tendo outras coisas? Faltam vozes no "Milho Verde" e no "Senhor Arcanjo"... E assim ia passando a tarde. "Está bem, vamos me­tendo outras vozes". Mas não se conseguia grande coisa. A alma dele - percebi depois - estava toda no Alentejo, nos olhos de Catarina Eufémia. E, como tantas vezes acontecia, andava no estúdio para cá e para lá, em passos nervosos, como o jovem leão na sua jaula.
Até que, já pela tardinha: "Eu vou até lá fora, olhar para as vacas" - o estúdio era numa quinta apalaçada, no meio dos campos. Desapareceu, uma hora ou duas. Quando voltou já era quase noite. "Vamos gravar a Catarina". O Bóris meteu-se na pequena cabina, para o som da viola ficar isolado da voz. O Zeca, no meio do estúdio, sozinho e às escuras, cantou. Uma só vez. É essa que está no disco.Nós, os outros, os privilegiados espectadores, estávamos na central técnica, quase todos a chorar incluindo o técnico francês. "Acham que é melhor eu cantar isto outra vez?""Não, Zeca, não. Está muito bem assim..." »

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